sábado, 15 de julho de 2017

SAUDOSISMO DA LOUCURA

João Vitor Wrobleski

Uma praça, um parque, brinquedos... Um banco, um velho, uma bengala... Crianças, mães, pais... Um céu, um sol, uma nuvem... Parece algodão, parece algodão, parece algodão, grita quase desesperada a menina, o menino diz: Parece um carro. A menina retruca: Não! Parece minha boneca.
Ao olhar às crianças a brincar, mais evidente ainda se torna minha velhice, os anos passam, nossas vontades mudam, nosso animo se apaga. Dizem nos tornamos mais sábios; maior sabedoria é a da evolução, mais sábia não há não!
A menina de camiseta com coelhinho, corre de um lado para o outro, parece nunca chegar a seu destino. Mas onde iria querer ir uma criança como ela? Somente nós, os velhos adoentados, em nossa correria por dinheiro fama e poder, somente nós precisamos chegar a um lugar físico, pois essas crianças já descobriram o caminho para o melhor destino, a felicidade, que a nós velhos é tão rara, e a elas cotidiana.
A menina de camiseta de coelhinho para, olha o menino de tênis vermelho; este que em extinto natural, quase selvagem e animalesco, coloca-se a subir pela selva de canos, demonstrando sua força, agilidade e equilíbrio. Mostrando seus atrativos a quem o observa.
No outro canto o menino de boné azul observa acanhado, a nova vizinha de vestido florido no balanço, encantado com seu cabelo esvoaçante, brilhando ouro ao sol. Encanto de menino, que vê a beleza de outro modo. Ela talvez nem tenha se dado conta de sua presença, mas para ele, olha-la basta para trazer a felicidade. Loucuras do amor, que talvez somente ao coração das crianças consiga abençoar.
Quando jovem, acreditei que minhas paixões de infância eram apenas loucura, devaneios de criança, mas quando envelhecemos, descobrimos que muitas vezes aqueles foram os mais verdadeiros amores que tivemos. Amor por amor, amar por amar, e ser feliz por poder amar.
Agora o menino de tênis vermelho, já está no alto da selva de canos, dono do mundo, dono de seu medo de altura, dono de si mesmo. A vista é o premio de sua árdua escalada, mas creio que a menina de camiseta de coelhinho, está muito longe de seus olhos agora. Assim fazemos na vida, por diversas vezes, na tentativa de nos aproximarmos de alguém, usamos estratégias erradas, e acabamos nos afastando por atitude própria.
No banco do outro lado do parque, a mãe do menino de tênis vermelho, quase enlouquece diante do conflito que passa, observa aos nervos, seu filho como um louco arriscando-se a machucar-se, mas sabe que impedi-lo de fazer, seria condenar sua criança a covardia de nunca tentar. Tudo que lhe resta fazer, é puxar novamente para dentro do peito seu coração desesperado de mãe, segura-lo o mais firme possível, e engoli-lo novamente quando lhe vem à garganta.
Em meus tempos de escalada, sofria para atingir o alto de uma montanha, ou um paredão, enfrentava meu eterno medo de altura, que sempre me acompanhou, e talvez tenha o privilégio de viver mais do que eu, quando lá encima estava, nada mais importava, pois era a sensação de nascer, de estar morto por uma vida, e finalmente ter descoberto que poderia respirar, que podia ver, ouvir, sorrir, derramar lágrimas, pela simples certeza da vida.
Agora o menino de boné azul, vai até a gangorra, onde sua musa de vestido florido se encontra, triste por estar a brincar sozinha, enquanto seu desinteressado pai, no banco lê o jornal. Surpreende-me o garoto acanhado, que atrás da aba do boné escondia a vergonha, agora conversa com seu objeto de desejo. O que estariam a falar duas crianças de seus oito anos?
O menino de tênis vermelho, em sua tentativa de demonstrar poder escalando a selva de canos, foi distante o suficiente para desinteressar a dona da camiseta de coelhinho, que vendo o menino de boné azul, e a menina de vestido florido juntos, se aproxima dos dois. E assim é na vida, às vezes vale mais estar perto, do que ser forte e poderoso.
Agora o menino de tênis vermelho, sem platéia para assisti-lo, desce e vai para o balanço, como se procura-se o colo de sua mãe para consolá-lo. E assim somos nós os homens, quando as coisas dão errado, frequentemente estamos em busca do consolo de uma mulher, seja ela nossa mãe nós dando carinho, nossa esposa nos dando amor, uma irmã nos dando apoio, ou uma prostituta qualquer, nos vendendo seu corpo.
Certa vez em um prostíbulo, um jovem rapaz me disse, as melhores psicólogas são as putas, cuidam de nossa mente e de nosso corpo ao mesmo tempo.
Admiro em minha idade ainda ver crianças a se divertir jogando coisas uma para as outras, correndo sem chegar a lugar algum...??? Correndo sem chegar a lugar algum? Ou estariam passando por todos os lugares do mundo. Lugares que nem imaginamos poder-mos chegar. Difícil acreditar que em um mundo tão informatizado, crianças ainda queiram vir a um parque. Difícil acreditar que diante da loucura do dia a dia, do transito, da criminalidade, difícil acreditar que diante de tudo isso os pais ainda encontrem tempo e vontade de trazer suas crianças a parques e praças.
Distraído, chego a assustar-me quando uma menina de cabelos loiros trançados, senta-se ao meu lado. Ela me pergunta: – O que faz aqui? Respondo-lhe: – Vim ganhar um pouco de vida. – Como Assim? – Para alguém de minha idade, ver crianças como você brincando, trás novas forças para viver. Ela me olha nos olhos: – Por que queixa-se de sua idade? – Porque o tempo passa, e não temos como controlar o tempo. Ela me responde de imediato: – O tempo não controlamos, mas a nós mesmos sim, não temos como evitar que os anos passem, mas envelhecer é uma opção. Só é velho aquele que não consegue olhar uma criança com ternura, aquele que não consegue sorrir simplesmente porque alguém sorriu para ele.
Agora o menino de tênis vermelho saiu do balanço, vai para perto das outras três crianças, a menina da camiseta de coelhinho que somente olhava o menino de boné azul e a menina de vestido florido na gangorra, agora percebe que tem alguém para fazer par consigo, e o menino de tênis vermelho que tentara demonstrar ser forte, percebe que às vezes a fraqueza de buscar o outro é a atitude de maior força.
A loirinha de tranças me pergunta: – Tem filhos? – Não! – Por que não? – Nunca acreditei que o mundo é um lugar bom para crianças viverem. Ela sorri de modo inocente e afirma: – Talvez sejamos as únicas capazes de viver em um mundo tão mal! – Por que diz isso? – Porque nós as crianças, cremos em Papai Noel e coelhinho da Páscoa, os adultos não! Nós temos um mundo dentro desse no qual vivemos, isso nos faz felizes, em momentos que parece impossível a felicidade. Não nos importamos de falarmos sozinhas se temos vontade, aliás, nunca falamos sozinhas, nós apenas ainda lembramos como é falar e ouvir a nós mesmas, as crianças lembram de como é ouvir o próprio coração. Sabe por que crianças conseguem ser felizes por muito mais tempo que os adultos? – Não faço ideia, mas gostaria de ouvir a resposta. – Somos mais felizes, porque temos conosco algo mais valioso que tudo. – E o que é? – Nossa alma, temos conosco nossa alma, não a vendemos para um emprego, não trocamos por um carro novo, nem barganhamos nossa alma por uma casa de quatro quartos, por isso somos capazes de ser feliz.

– E quem é você? Lhe pergunto. Ela me responde: – Só uma criança que se entediou de brincar, viu um velho jogado em um canto, e decidiu matá-lo para não impedir mais a criança que mora em seu coração de renascer.

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