domingo, 3 de março de 2019

UMA NOITE QUALQUER



— Olhe em volta, veja as árvores. Olhe para as montanhas. Vê?
— Sim!
— Lembra-se que quando chegamos nem mesmo conseguíamos ver um ao outro? E agora podemos quase ler os números da placa da moto.
— Por quê? O que aconteceu?
— A noite não mudou, ela continua tão escura, quanto, quando chegamos. O que mudou foi o nosso olhar. Assim como essa luneta que estamos observando as estrelas possibilita aos nossos olhos receberem mais luz, e desse modo enxergarem com maior nitidez o que está distante, do mesmo modo, naturalmente os nossos olhos se adaptam, as pupilas se dilatam para receberem mais luz, nosso possibilitando enxergar mesmo em meio a escuridão. Que de inicio pareceu assustadora, não?
— Sim, eu estava com muito medo, não via nada.
— E agora? Ainda parece tão assustadora?
— Não mais, eu consigo enxergar ao longe e você está comigo.
— Às vezes na vida, as coisas parecem tão obscuras e incertas quanto essa noite parecia ao chegarmos, mas com um pouco de calma, tolerância e controlando o medo, nossos olhos se adaptam. A vida não se torna mais fácil, assim como a noite não se tornou menos escura, mas nós nos tornamos mais fortes, assim como nossos olhos mais aptos a nos guiar na escuridão.
— Mas e quando nos colocam uma venda?
— Nós aprendemos a tatear, a cheirar, a saborear e principalmente, aprendemos a ouvir. Nada como as palavras, para desatarem a venda da ignorância. A natureza foi sábia em nos dar cinco sentidos, nós não os aproveitamos como deveríamos. Sinta o cheiro do sereno, ouça os grilos, sinta o vento, deixe o ar entrar pela sua boca com o sereno e descobrirá que ele tem sabor.
Vê no horizonte? O ponto vermelho que não pisca? O maior de todos naquela direção.
— É uma estrela?
— É nosso vizinho, Marte! No sistema solar, é oque temos de mais próximo das condições do nosso planeta. Mas ainda assim, não tem oxigênio, não tem água e as temperaturas são bem desconfortáveis, mesmo que as condições atmosféricas fossem favoráveis, com a roupa que estamos, morreríamos de frio. Temos outros seis vizinhos e até onde sabemos, nenhum deles é mais receptivo a nós. Todos são impensáveis como residência.
— E o que isso quer dizer?
— Que não importa o quanto o nosso mundo pareça ruim, ainda é o melhor mundo que conhecemos e o mais acolhedor conosco.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

CADA DIA RENASCEMOS



Depois de uma semana de chuvas, Uranus limpou, deixou evidente toda a sua beleza.
Passei uma noite a olhar, a olhar, mas pouco ver.
Então hoje decidi montar em minha moto e fazer algo que há muito tempo não fazia, talvez não o fazia há algumas encarnações. Fui para o meio da mata, na escuridão, no Caos, no meio do nada, para olhar para o céu pela primeira vez.
Olhar para um céu que nunca até então olhei, ver estrelas que nunca havia visto entender o que realmente sou. Uma partícula do grão de poeira entre gigantes cósmicos, menos que um átomo.
Passei por estradas nas quais caminhei em minha infância e descobri que nunca estive nelas, lembrei-me de pessoas que nunca conheci, compreendi coisas que nunca cheguei a aprender. Vivi coisas que talvez já morreram. Encontrei sabias corujas e humanos ignorantes.
Amei verdadeiramente à noite, olhei para um céu, que não se seleciona um palmo sem estrelas e percebi que cada uma delas, é apenas uma luz, de tantos mundos possíveis. Lembrei-me de Heráclito e tive a certeza de que nunca olhei para o céu, nunca estive naquelas estradas, nunca vi aquela mata, nunca respirei aquele ar, nunca fui aquela pessoa.