sábado, 15 de julho de 2017

O EXISTENCIALISMO A PARTIR DE SARTRE, ESCRITO POR UM FREUDIANO

João Vitor Wrobleski

Pelas palavras de Sartre, o Existencialismo é taxado por diversas coisas, entre elas, é acusado de isolar o homem, e negar a “solidariedade” humana, em minha visão ainda atribuiria certa perversão a ele, segundo exatamente a visão psicanalítica, onde o perverso é aquele individuo estruturado a partir da satisfação na dor própria ou alheia ou em quebrar as regras. De certo modo é o que parece o viés Existencialista, pois me parece ser a abordagem mais cruel dentro da psicologia, ela atribui ao sujeito responsabilidade por todas as situações de sua vida.
Por que a resistência em aceitar e entender a abordagem Existencialista?
É natural do ser humano, por covardia, não assumir responsabilidade sobre seus atos. Talvez daí, a necessidade de um deus, alguém a culpar por nossos erros, e a ter como objeto de esperança para uma melhora de vida milagrosa, sem demanda de esforço. Mas segundo o Existencialismo Sartreano, não há a existência de nenhum deus a fazer o trabalho por ninguém, e nem atribuindo essência aos humanos. Tudo depende de nós mesmos.
Para Sartre e o Existencialismo de modo geral, a existência precede a essência. Isso significa que antes de existir-mos não somos nada, ou seja, primeiro existimos como indivíduos a partir da fecundação, para ai então formarmos nossa essência. Nos construirmos em convívio com o outro, é por meio de nossas decisões que damos forma a nossa essência. Sempre temos decisões possíveis de serem tomadas, por mínimas que estas sejam, ainda assim, o que decidimos é o que nos torna o que somos.
Para Sartre, o homem se forma por si mesmo e por suas decisões. Não somos o que queremos ser, mas somos o que decidimos ser. São nossas decisões que nos tornam e nos fazem. Sartre afirma, que a própria inércia é uma decisão, ou seja, você decidiu não fazer nada, desse modo é responsável pelas consequência de sua inércia.
Segundo Sartre, o Existencialismo não é pessimista, mas sim otimista, pois da ao homem condição plena de decisão acerca de sua vida. Porém para os humanos de modo geral, é mais fácil atribuir culpa das atitudes e desgraças a outrem, é muito mais fácil e cômodo culpar os pais por nossas condições atuais, como de certo modo fazemos na psicanálise, do que culpar a nós mesmos. Pois quando se atribui ao individuo a responsabilidade de mudar sua vida, ele é obrigado a trabalhar para mudá-la, ou a admitir sua covardia. Quanto à covardia, Sartre também o diz: é mais cômodo ao ser humano crer que ser covarde ou herói é uma questão de nascer como tal, mas a verdade existencialista é que, ser covarde ou herói, são resultados de nossas decisões. Tomamos decisões covardes, e isso nos torna covardes, não nascemos desse modo.
Segundo Brandelero, ainda quanto ao suposto pessimismo do Existencialismo; tratasse na verdade de um realismo, dando ao sujeito, a liberdade de fazer por si mesmo. Nas palavras dela, se referindo ao atendimento em clínica, pelo viés Existencialista, “Somos verdadeiros com o cliente, não desejamos torná-lo dependente do terapeuta, mas sim dar a ele a liberdade de resolver por si mesmo seus sofrimentos, e mais tarde se ele tiver um novo problema que não consiga resolver, irá nos procurar novamente, mas com uma nova questão, não o tornamos refém do terapeuta.” Brandelero ainda afirma que o Existencialismo não é uma simples abordagem, mas sim uma filosofia de vida, possível de se utilizar em seu dia-a-dia, para suas próprias tomadas de decisão.
Sobre a teoria, Sartre afirma a criação de uma teoria que se coloque a serviço do homem e não que coloque o homem a serviço da teoria (ALVES). Ainda Alves trás que segundo Sartre, ele não desejava criar necessariamente essa nova teoria, mas sim apenas demonstrar que é possível. “esta psicanálise ainda não encontrou o seu Freud [...] para nós o que importa é que seja possível.” (SARTRE, citado por ALVES).
Essa necessidade de atribuir ao sujeito mais responsabilidade, talvez seja fruto de uma época vivida por Jean-Paul Sartre, onde a psicologia Comportamentalista atribui o resultado do sujeito ao meio em que ele vive, e os estímulos fornecidos por esse meio, a Psicanálise Freudiana atribui à formação do sujeito ao inconsciente e o relacionamento do sujeito com as figuras de função paterna e materna. Mas onde está o sujeito nesta história? Hipoteticamente, e não sem sentido, Sartre se cansou de ver o sujeito como objeto, como ele mesmo deixa subentendido em O Existencialismo é um Humanismo. Sartre se cansa de ver o homem, como objeto de seu meio, ou de um inconsciente sem condições de falseabilidade. Então segue em contraposto total, atribui toda a responsabilidade sobre o individuo.
O homem deixa de ser vitima de um meio ou criação, para ser ator, criador de si mesmo.
Mestre Vanessa Brandelero falando sobre a vitimização, (Se colocar como vitima) afirma ser uma das piores formas de se posicionar dentro de uma visão Existencialista, pois ninguém, segundo a psicóloga, nos coloca na posição de vitima se não for de nosso interesse sustentar tal posição, ou seja, somente somos vitimas se quisermos ser.
Parece difícil imaginar esse tipo de trabalho direto com o cliente, em um campo clínico. Como dizer a uma mulher que foi estuprada, que o que ela fará desse sofrimento depende dela? Assim como uma mãe que perdeu o filho morto a tiros. É nesse aspecto que afirmo que o Existencialismo é perverso. Mas se analisarmos de uma maneira mais maquiavélica. Quais as alternativas de uma mulher que foi estuprada? Se ela não tomar para si à responsabilidade de trabalhar com essa dor, quem o fará por ela? O estuprador? Mesmo que sua família quisesse a ajudar, não pode saber o que ela sente; mesmo outra mulher que tenha sido violentada, não sabe o que ela sente, pois cada individuo tem sua singularidade, sua maneira própria de funcionar. Sendo assim, mesmo que duas pessoas passem exatamente pela mesma situação, cada uma delas irá sentir a seu modo, ninguém pode saber como o outro se sente. Então, se somente a mulher violentada sabe o que ela está sentindo, não é o mais obvio atribuir a ela a responsabilidade de trabalhar com isso? Sartre diz: “Não importa o que fizeram comigo, importa o que eu faço do que fizeram comigo.”
“O homem está condenado a ser livre” (Sartre). Segundo Sartre a não existência de um deus, condena o homem a ser livre, por tanto capaz de tomar suas próprias decisões, e sem ter como justificar suas atitudes a partir de uma essência imutável determinada por um ser superior. Não há natureza humana pré-determinada! Como um Freudiano; pessoal fã da Psicanálise; não posso negar o que minha infância me condicionou a ser, nem toda a carga cultural e social que trago comigo. Assim como ao estudar a Psicologia Evolucionista, tornasse impossível negar que trazemos informações genéticas importantes em nosso DNA.
Acredito na psicanálise, e entendo a importância das funções paternas e maternas em nossa vida, assim como entendo, e seria tolo negar, toda a carga genética que trazemos ao decorrer de milênios de evolução. Mas a pergunta restante é: Até onde somos obrigados a seguir tais determinações?
Discordo de Sartre em um aspecto, não creio que sejamos uma página completamente em branco quando nascemos, (Interpreto desse modo sua afirmação de o ser vir do nada) mas sim um grande livro com a primeira página preenchida pelo próprio código genético, e algumas páginas seguintes, são muitas vezes indevidamente preenchidas por nossos pais. Mas o que me obriga a seguir na mesma história? A partir do momento em que eu pego a caneta, nada me obriga as escrever as próximas mil páginas em função das primeiras. Tudo se torna decisão minha, basta matar os personagens, mudar o cenário, e seguir com o romance da forma que eu quiser. Nasci em uma família católica, mas do momento em que aprendi a pensar em diante, decidi ser ateu, e nada pode me impedir, mesmo tendo sido obrigado a engolir uma crença sem sentido, quando tomei uma decisão, não importou o que meus pais me enfiaram garganta abaixo, nem meu código genético. Mudar foi uma simples questão de decisão minha. Tomei a decisão e assumi as consequências dela.
O próprio Sartre, apesar de negar a existência do inconsciente, e formular sua ideia toda baseado simplesmente na consciência, ainda assim, não nega o valor de se estudar a infância, Sartre “nunca aceitou o inconsciente de Freud. Mas nunca negou a validade da investigação psicanalítica do passado de uma criança.” (GERASSI, citado por ALVES).
Estranho que duas escolas que parecem tão distintas como a Psicanálise e o Existencialismo, a mim não se contrarie tanto assim. Somos sim resultado de nossa infância, entender nossa infância a partir da Psicanálise, explica o que somos, mas não justifica. Pois após tomarmos consciência disso, ser o que somos, tornasse simples decisão nossa. Segundo a Psicanálise, não podemos mudar a estrutura que temos, mas a forma de funcionamento dessa estrutura nós determinamos.
A partir do momento em que compreendemos porque somos do modo que somos, basta uma decisão firme, para nos tornarmos o que decidirmos ser, Sartre e outros nos deram essa liberdade.

REFERÊNCIAS:

SARTRE, J.P; O Existencialismo é um Humanismo: Coleção os pensadores. Abril Cultural. 1978.

ALVES, L. C. R. A Psicanálise Existencial de Sartre Enquanto Olhar Alternativo para o Homem. Revista eletrônica de filosofia.

Aula com: Prof. Mst. Vanessa Brandelero, Psicóloga Existencialista. Atualmente ministrando aulas na Universidade do Centro-Oeste.


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