domingo, 11 de novembro de 2018

UM TERERÉ COM SARAMAGO



— Como você consegue beber isso tão gelado? Meu cérebro chega a doer.
— Rrss!!! Talvez me falte um cérebro para doer senhor Saramago.
— Rs!!! Não se desmereça garoto, as pessoas sabem mais do que pensam e menos do que acreditam saber.
— Estive pensando após ler As Intermitências da Morte, não que eu esteja agourando sua vida, mas... você não é mais tão jovem, não é senhor Saramago e nessa idade é comum que as pessoas pensem muito sobre a própria morte. Teria alguma relação?
— Bom senhor Wrobleski, da morte pouco sabemos sobre a distância, se continua a pilotar a sua moto como já o vi fazendo, mesmo com a diferença de idade, talvez esteja mais perto dela do que eu. Mas é inegável que chegada uma certa idade começamos a nos questionar sobre quanto tempo mais temos. E para pessoas como nós, ateus, que sou e até onde sei tu também o é, não temos o conforto de um céu, não temos um além, a vida é aqui. Então como não tentar fugir da morte? Como não desperdiçar o restante de vida, tendo medo da única certeza que temos?
A única resposta que encontrei, a única forma de não desperdiçar minha vida com um medo inútil, já que a morte não evitarei por temê-la, ao contrario, posso antecipá-la por isso, a forma coerente que encontrei, foi compreendendo o ciclo da vida. Entendendo a função e necessidade da morte.
— E qual é a função da morte?
— A mesma do último capítulo de um bom livro de romance, ou um ensaio. Tem a função de encerrar a história, finalizar de maneira adequada, antes que a história se estenda além do devido e se torne tediosa. Já imaginou não ler nenhum dos últimos capítulos de todos os livros que leu em sua vida?
— Alguns dos que li, o último capítulo foi a melhor parte, O Grande Sertão de Guimarães Rosa, por exemplo, foi um dos melhores finais inimagináveis para um romance. Outros eu temi por imaginar um final mais trágico do que realmente foram, seu Ensaio sobre a cegueira foi um deles, que previ o pior final possível e acabou sendo mais carinhoso do que eu presumia.
— Talvez porque eu ainda acredite na humanidade, apesar de ela se esforçar diariamente tentando me convencer de ser uma causa perdida.
Mas você disse bem, alguns dos livros ganham um sentido e uma importância em nossas vida, somente após lermos o final. Por que com a vida tem que ser diferente? Por que não pode ser a morte a completar a vida? Dar a ela o final adequado e elevar a sua importância?
— É por isso que ao final seu personagem se deita com a morte na mesma cama?
— E não é o que todos faremos ao final dessa história? Não iremos todos um dia deitar-nos a mesma cama com a morte, em uma relação sexual tão intensa, que nos tornaremos um só?

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