segunda-feira, 12 de novembro de 2018

UM TERERÉ COM FREUD



— Você sabe que é tido por quase todos que te conheceram como uma pessoa difícil de se relacionar, não é senhor Freud?
— Já parou para pensar que as pessoas chamam de “difícil de se relacionar”, todos aqueles que não se submetem a elas? Se alguém é capaz de pensar e toma suas próprias decisões, ao invés de seguir cegamente uma massa, ou se submeter às vontades do outro, comumente será considerado alguém “difícil de se relacionar”. Afinal, com quem é mais fácil de se relacionar, do que aquele que se sujeita as nossas vontades? A questão é que somos castrados e isso nos confere vontade própria, como sujeitos a parte do outro.
— É, mas você teve desentendimentos com quase todos que se aproximaram de ti, estou inclusive pensando até que ponto levaremos essa conversa, sem que você me cite em seu próximo livro, me chamando de místico fraudulento ou algo do gênero.
— Primeiro senhor Wrobleski, que seu Ego é grande demais, para se considerar relevante o suficiente a ponto de ser citado em uma obra minha, isso não acontecerá. Segundo, que todas as pessoas com quem me indispus, como sua referência ao senhor Jung, por exemplo, foram pessoas que colocaram a psicanálise em risco. Para ele é fácil arriscar a credibilidade da psicanálise desse modo a aproximando do misticismo, pois ele pouco investiu nela, além de estar em uma posição social cômoda, sem preconceito antissemita, sem dificuldades financeiras, sem sua moral sendo atacada a todo o momento, por pessoas que fazem referência à suas obras, sem nuca as ter lido. Eu investi uma vida inteira nesse projeto, a psicanálise é a forma mais eficiente de explicar a condição e movimentação psíquica do ser humano e precisei de uma vida toda de investimento libidinal, para organizá-la e conferir-lhe credibilidade científica, não permitirei que alguém despreparado, faça uma coisa qualquer, sem nenhuma pesquisa e experimentação clinica, e chame a isso de psicanálise, colocando a baixo o mínimo de credibilidade que consegui para essa ciência do psiquismo humano.
— Mas você mesmo deu essa possibilidade. Disse em suas obras que a psicanálise não está pronta, que as pessoas podem desenvolvê-la, modifica-la, fazer outros usos dela!
— Entenda senhor Wrobleski, quando você diz para seu convidado que “sinta-se em casa”, você está afirmando que ele pode fazer bom uso de sua casa, você espera que ele se sinta confortável, fique relaxado, se alimente, banhe-se, talvez até durma em sua casa, mas não espera que ele ateie fogo a residência, porque a casa é dele. Quando eu disse que as pessoas deveriam desenvolver a psicanálise, me referia à exploração de casos clínicos, ao estudo e analise teórica, com base científica, não que as pessoas poderiam pegar seus próprios preconceitos e ideias imaginárias, sem nenhum fundamento teórico e chamar a isso de psicanálise.
— Senhor Freud,... Já parou para pensar no que pode ser feito da teoria no futuro, se em sua época, com você vivo e lúcido já estão a desvirtuando desse modo? É melhor você tomar mais uma guampa de tereré para refrescar o juízo, talvez nem tu, nem eu, sejamos capazes de imaginar o quão longe as pessoas levarão as teorias, para que essas reafirmem preconceitos que elas tinham muito antes de conhecer a teoria.

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