WROBLESKI, J.V.
João e
Fabio nasceram no mesmo dia. A mãe de João foi atendida em um hospital público,
ficou no corredor em uma cadeira, até poucos momentos antes do parto, quando
finalmente foi levada para uma cama, pois o hospital sempre está lotado e tem
dificuldades em disponibilizar leitos para toda a população.
A mãe de
Fabio foi atendida em um hospital particular, no qual seu marido trabalha como
médico e é sócio. Teve um leito a sua disposição, desde o momento que sentiu os
primeiros indícios de que era chegada a hora do nascimento do bebê.
A mãe de
João não foi tratada com muita atenção, pois a equipe médica é muito menor do
que a demanda do hospital, fazendo com que tenham que atender várias pessoas ao
mesmo tempo.
Já a mãe de
Fabio, foi tratada do melhor modo possível, pois apesar de a equipe não ser tão
grande, dedicaram vários profissionais ao atendimento da esposa de um dos donos
do hospital.
Após o
parto, a mãe de João ficou um tempo com seu bebê, durante a licença maternidade,
mas logo teve que voltar para seu trabalho como funcionaria doméstica e
precisou deixar o filho ainda bebê em um CEMEI, pois não contava com ninguém em
sua família que pudesse cuidar do filho enquanto trabalhava. Ficar sem
trabalhar seria inviável, ainda mais, tendo agora mais uma boca para alimentar,
fraudas para comprar e todos os gastos comuns de um bebê.
Precisavam
da renda dela e do marido para sobreviver, pois somente com os novecentos e
poucos reais do salário dela como doméstica e os mil e quinhentos reais do marido
trabalhando como pedreiro, conseguem pagar os quinhentos reais de mercado,
cento e cinquenta reais de luz, mais os cem reais de água e esgoto, roupas, que
raramente compram, somente quando precisam, pois não podem se dar ao luxo de
desperdiçar, as prestações dos moveis da casa para o recebimento do bebê, como
berço, um carrinho de nenê, simples, mas ainda assim com um custo e por fim pagam
oitocentos reais da parcela da casa própria que financiaram, para não ficarem
desperdiçando dinheiro em aluguel, por fim acabam gastando por volta de mil e
seiscentos reais por mês, sobrando menos de setecentos, que os pais de João
guardam na poupança, pensando em ter um recurso caso tenham algum imprevisto,
ou talvez mais tarde conseguirem negociar algum desconto quitando a casa antes
do tempo.
Já a mãe de
Fabio trabalhou por algum tempo, mas ao engravida, decidiram que se dedicaria
apenas a cuidar do filho, afinal com os ganhos de aproximadamente trinta mil
reais por mês, do pai de Fabio, eles conseguem tranquilamente pagar todos os
gastos, inclusive os novos referentes ao bebê.
João e
Fabio começaram a estudar na escola regular, João foi para uma escola pública,
tinha trinta e cinco colegas de sala, a professora raramente conseguia explicar
de maneira individualizada o conteúdo, mesmo João indo pedir a ela se poderia
explicar melhor, ela o ignorava, algumas vezes afirmando que ele era “burro
demais para entender”.
Fabio foi
para uma escola particular, tinha quinze colegas de sala e duas professoras,
enquanto uma explicava o conteúdo para todos os alunos, outra ia de carteira em
carteira esclarecendo as duvidas individuais.
Aos doze
anos a mãe de João foi chamada na escola, por causa das baixas notas do filho.
A professora disse que se ele tirasse mais uma nota baixa em matemática seria
reprovado de ano, pela segunda vez, já que ele havia reprovado a quinta série por
não ir bem na mesma matéria, apesar de ter notas razoáveis em outras, e até
mesmo um destaque nas notas da matéria de história. Mas o fato de ir mal em matemática,
fez com que ele precisasse refazer toda a quinta série e agora aconteceria o
mesmo na sexta série. A mãe de João ficou revoltada, pois o filho só tinha que
estudar, ela se matava de trabalhar o dia todo para poder sustentá-lo, o pai a
mesma coisa e ele nem para estudar prestava! Quando chegaram em casa, a mãe de
João no auge de sua revolta, bateu no filho por várias vezes.
A mãe de
Fabio foi chamada na escola porque boa parte das notas de Fabio estavam baixas,
a professora explicou para a mãe, que apesar de Fabio ir muito bem em artes e
biologia, ele estava com notas muito baixas nas outras matérias. Ao chegarem em
casa, a mãe de Fabio relatou a seu pai o que tinha ouvido na escola, ambos
decidiram que a partir da outra semana, Fabio teria aulas particulares, para
melhorar nas matérias que estava com notas baixas.
João
realizou uma prova de matemática, a matéria que precisava de nota, ao receber a
avaliação corrigida, descobriu que sua nota era quatro pontos de dez, o que
faria ele reprovar novamente de ano, mas João deu uma olhada na prova de um
colega que se exibia pelo fato de ter tirado nove na prova e viu que o colega
tinha respostas iguais a dele na maioria dos problemas apresentados na
avaliação. Confuso se seria a forma de ele resolver que estaria errada, já que
o resultado final era o mesmo, ele resolveu questionar sua professora a
respeito, a resposta que ouviu da professora, foi que: “só um preto burro para
querer me ensinar a fazer o meu trabalho.” Se revoltou com a afirmação, pois a
essa altura da vida, já tinha sofrido vários episódios de racismo, que lhe
davam plena consciência da agressão da professora. Sua resposta foi um murro no
rosto dela, o resultado disso, foi à expulsão de João da escola. E uma
notificação do conselho tutelar a seus pais. Novamente João é agredido pela
mãe, mas ele não sente ódio da mãe, apenas fica confuso, como pode ele que foi
agredido primeiro, ser punido por se defender, enquanto a professora racista,
continuava em pleno exercício do seu preconceito na escola.
Fabio após
o acompanhamento com um professor particular, teve uma melhora nas notas, nada
de grande destaque, mas o suficiente para ser aprovado de um ano para outro.
João agora
está pela rua, sem fazer nada além de jogar bola o dia todo, pois após ser
expulso da escola, se recusou a ir para outra, seu pai depois de alguns meses,
preocupado com as companhias que o filho estava andando, convenceu o mestre de
obras a permitir que ele levasse o filho para o trabalho como seu ajudante. O
mestre de obras de inicio ficou resistente, pela idade do menino, com medo de
ser penalizado judicialmente, mas diante da angustia do pai com a possibilidade
de o filho se envolver com o tráfico de drogas local, acabou aceitando, desde
que se a fiscalização aparecesse, o pai de João dissesse que só o levou para o
trabalho aquele dia, porque não tinha com quem deixar o menino.
Fabio segue
em seus estudos, agora já está terminando o primeiro grau, indo para o segundo
e já começa a ser questionado por sua mãe e seu pai, a respeito do que ira
fazer depois de terminar a escola.
João já
está com dezoito anos, trabalhando com o pai. O mestre de obras o sob de cargo,
apesar de muito jovem, João é muito dedicado, que: “trabalha sem fazer corpo
mole”, segundo o mestre de obras, ele acaba se tornando pedreiro ainda aos
dezoito anos. Uma honra para seu pai, que tem orgulho em contar para todos os
colegas, que ele próprio precisou trabalhar por mais de dez anos, como servente,
antes de se tornar oficialmente pedreiro, enquanto seu filho, depois de cinco
anos de trabalho, já ocupava o mesmo cargo que ele. Com a promoção, João, agora
com um salário um pouco melhor, planeja voltar aos estudos e quem sabe até
fazer uma faculdade, por que não? Talvez engenharia civil, já que parece levar
jeito para a coisa.
Enquanto
isso, Fabio está no primeiro ano da faculdade de medicina, até preferia artes cênicas,
mas sua mãe e seu pai lhe convenceram que era melhor estudar algo mais
concreto, alguma profissão mais respeitada. Se fosse medicina, já teria emprego
garantido, afinal, seu pai era sócio em um hospital, para conseguir uma vaga
para o filho, seria muito fácil.
João após
cinco anos consegue concluir os estudos, em um sistema supletivo, muito
contente, compartilha com a família sua vontade de fazer uma faculdade, seu pai
e sua mãe, dizem que não tem sentido, que ele já está muito bem empregado, que
deveria se dedicar ao trabalho ao invés de ficar procurando sarna para se coçar.
Mesmo não tendo o apoio familiar, João não desiste de continuar estudando, pois
no supletivo conheceu uma professora que o incentivou muito a nunca desistir de
seus sonhos.
Fabio já
conclui sua formação na escola de medicina, e está em sua residência,
planejando qual será sua especialização, após se formar clinico geral.
João
confere todos os cursos de engenharia civil próximos de sua cidade, teria que
viajar, mas apertando um pouco seus gastos, até conseguiria pagar a van e ainda
ajudar financeiramente em casa. Porém, todos os cursos de engenharia eram
integrais, sendo que desse modo, João não teria como trabalhar. Desistiu dessa
opção, mas não de estudar, então lembrou, que antes de ser expulso da escola,
ele sempre teve boas notas na matéria de história, tentou o vestibular para
esse curso, que afinal tem em sua cidade mesmo, e ainda é à noite, que lhe
possibilita continuar no mesmo trabalho que está.
Fabio agora
formado médico, já iniciou sua especialização em pediatria, apesar do pai
incentiva-lo a ir para a área cirúrgica que seria mais respeitado, dessa vez
Fabio faz sua própria escolha, pois com sua paixão por artes cênicas, cativava
facilmente as crianças. Quando as atendia, sempre ia vestido com alguma
fantasia ou com nariz de palhaço, fazendo brincadeiras, era um dos poucos
médicos que conseguia fazer procedimentos invasivos, sem que as crianças
chorassem.
João está
em seu curso de história, estudando a escravidão, ele se revolta com o que seus
antepassados foram submetidos. Ele e colegas da faculdade organizam um
movimento de protesto contra o racismo e outros tipos de preconceitos. Nesse
protesto João é preso pela policia acusado de vandalismo, mesmo que não tenha
quebrado nenhum bem público ou privado, tudo que fez, foi informar a um
policial que estava em seu direito constitucional de se manifestar contra um
crime social. João não permanece preso, mas é fichado e vai ter que se
apresentar perante um juiz para saber o que será feito do seu caso.
Enquanto
isso, Fabio já está concluindo sua especialização, e negociando com seu pai a
entrada dele no hospital.
João se
apresenta ao juiz, que de algum modo fica sabendo que ele já teria agredido uma
professora na adolescência, ao ter João em sua frente o juiz afirma: “Esse tipo
de gente, só dá nisso, não sei porque se reproduzem como praga no mundo!” João
não vai preso, mas é sentenciado a varias horas de serviço comunitário. Para
não perder o curso da faculdade, João acaba precisando trabalhar meio período na
obra, para poder na outra metade pagar as horas, já que seus sábados e
domingos, ele precisava para fazer os imensos trabalhos dados pelos professores
da faculdade.
Fabio já
assume uma vaga no hospital que seu pai trabalha e é sócio, não teve dificuldade
alguma e atende na ala pediátrica do hospital. É tido por todos como um dos
melhores médicos do hospital, as crianças são apaixonadas por ele. Todos o
chamam de doutor sorriso, pois dizem ser impossível manter expressão séria em
sua presença, mesmo uma das enfermeiras mais antigas do hospital, muito famosa
por sua antipatia, sempre sorria quando ia falar com ele.
O mestre de
obras para o qual João trabalha, começa a passar por uma queda no número de
construções, e não sendo possível manter todos os funcionários, muitos são
demitidos, João é um deles, afinal, além de estar trabalhando somente meio período,
ainda tinha tido problemas com a lei, o que não é muito bom para nenhum patrão.
Apesar de a contrariedade dos pais, que afirmavam que a faculdade só tinha
trazido dores de cabeça para a família, João consegue convencer os pais a
ajudarem ele a se manter até o final do curso, que no meio de tantas
conturbações, se estendia por um ano a mais do que o esperado, por causa das dependências.
Fabio está
com um salário bem generoso, e conhece uma moça, jovem médica do mesmo
hospital, depois de alguns meses de namoro a pede em casamento, vão morar
juntos em uma casa grande e luxuosa, parte bancada como presente de casamento
dado pelo seu pai.
A essa
altura, João com grande dificuldade termina sua graduação em história, começa a
fazer concursos públicos tentando uma vaga como professor, mas mesmo com muitas
tentativas, não consegue passar em nenhum. João tem estado bastante irritado e
triste, pois com quase trinta anos, ainda vive com os pais e não consegue um
emprego, mesmo com uma graduação. Sua alternativa para tentar ajudar em casa e
não ser um peso morto para os pais, é conseguir algumas aulas particulares, mas
de maneira geral tem que se submeter a valores quase de esmola, e mesmo assim,
quando se apresenta na casa do aluno, é muito comum que os pais deem alguma desculpa
para dispensa-lo de imediato, ou logo após as primeiras aulas. João sabe que
não diz respeito a sua competência como professor, mas sim, a sua cor de pele.
Fabio já
conseguiu reunir um bom dinheiro com seu trabalho, ainda mais com sua esposa
trabalhando com ele e também ganhando um valor razoável, ele então aproveita
uma oportunidade para comprar a parte da sociedade de outro sócio de seu pai,
tornando assim a família dona de mais de sessenta por cento do hospital.
João está
cada vez mais angustiado, agora desistiu de procurar emprego em sua área de
formação, está à procura de qualquer coisa que lhe de sustento financeiro, mas
em empregos mais básicos, não o aceitam quando descobrem que ele é graduado. As
empresas sabem que pessoas com graduação tendem a conhecer melhor seus direitos
e não se permitem ser escravizadas tão facilmente, por isso tendem a evitar
contratá-las.
A essa
altura, o pai de Fabio já está em uma idade avançada, e decide passar para o
filho o domínio sobre toda a parcela do hospital que está na família, logo
Fabio consegue condição financeira para comprar outra boa parte do hospital e
sua esposa compra uma pequena parte que ainda estava sob domínio de outro sócio,
tornando assim o hospital de total propriedade de sua família. O lucro mensal
da família gira em torno dos duzentos mil reais por mês.
João se
queixa para um amigo de infância sobre sua condição desprivilegiada, o amigo
fala para ele que tem um negócio muito lucrativo que precisa de um sócio. João
afirma que não tem a menor condição financeira de investir em nada, o amigo
afirma que o investimento, será meramente de mão de obra, não precisando nenhum
dinheiro e que o retorno era de aproximadamente cem mil reais só para ele.
João, homem já estudado e experiente o suficiente para saber que nada é tão bom
para ser verdade, pergunta qual é a mutreta, o amigo explica que farão um
grande empréstimo no banco, de mais ou menos um milhão e meio, mas ainda precisavam
de mão de obra. João rapidamente entende que se tratava de um roubo, e responde
que não foi educado para isso, que seria uma imensa decepção para seus pais. O
amigo afirma que ele não tem motivo para se preocupar, seria como roubar doce
do mercadinho local, não seria um assalto, não usariam armas, nem mesmo teria
gente no banco quando entrassem, seria apenas um roubo, fariam um túnel até o
cofre e depois retirariam os pacotes de dinheiro. Ele afirma que a experiência de
João com a construção civil, seria bem vinda na construção do túnel, João se
recusa e vai para casa. Depois de mais um mês procurando trabalho sem
encontrar, ele reencontra o amigo, que informa que o plano ainda está em pé,
que já providenciaram todo o equipamento, inclusive começariam a escavar o túnel
naquela semana mesmo, disse para João, que ainda tem uma vaga na equipe. João
olha para o nada, com um olhar morto, e pergunta: “Quando começamos?”
Fabio junta
dinheiro o suficiente para abrir mais uma clínica em uma cidade vizinha, desse
modo, aumentando a renda familiar em mais de trinta por cento.
Depois de
um mês de trabalho, João e a equipe de ladrões, conseguem retirar como o
prometido, um milhão e meio do banco, mas diferente do que o amigo prometeu,
cada um deles fica apenas com oitenta mil, e não com os cem mil prometidos, mas
ainda assim, João está muito contente, pois sabe que trabalhando de pedreiro,
levaria cinco anos para ganhar esse valor, que consegui em um mês de trabalho.
Ele usa parte do dinheiro para construir uma nova casa para seus pais, já que a
que eles moram estava deteriorada pelo passar dos anos, João imaginou que
comprar os materiais e pagar para construírem uma nova casa no mesmo terreno,
chamaria menos a atenção, do que a compra de um imóvel novo. Mas o que João não
contava, era com o fato de que a “lei” sempre tem uma dedicação toda especial
quando se trata de um banco que foi roubado, afinal eles não assassinaram um
negro em uma favela, se fosse esse o caso, nada aconteceria, talvez nem mesmo
seria investigado. Mas um roubo a banco, roubar de quem tem dinheiro... isso é imperdoável.
Quem de fato organizou o roubo, foi astuto e experiente o suficiente para não
deixar vestígios, jogando assim a atenção, em cima da mão de obra, de quem fez
a parte mais bruta do roubo, pois os que planejaram, nunca seriam descobertos,
já João, depois de seis meses do roubo, foi preso. Depois de muito tempo, foi a
julgamento, no qual foi constatado que ele já tivera problemas com a lei, desde
a adolescência, o que não dificultou muito sua condenação, afinal, um negro com
fixa criminal, o juiz não precisou nem mesmo pensar duas vezes. João foi para
um presídio, naquela mesma noite um colega presidiário tentou violar seu corpo,
ele reagiu e foi espancado até a morte.
Fabio hoje
é dono de uma rede de hospitais, que conta com um hospital de porte médio, um
de pequeno porte e mais três clínicas de médio porte em cidades diferentes, seu
lucro mensal limpo, passa de um milhão e meio.
SEGUNDO O
SISTEMA CAPITALISTA, FABIO E JOÃO TIVERAM AS MESMAS OPORTUNIDADES DE VIDA,
FABIO HOJE É UM HOMEM RICO E BEM SUCEDIDO, PORQUE SE DEDICOU E SE ESFORÇOU
MUITO PARA CHEGAR A ONDE ESTÁ, ENQUANTO JOÃO MORREU NO PRESIDIO, PORQUE ERA SÓ
MAIS UM BANDIDO VAGABUNDO, QUE NÃO QUERIA TRABALHAR.
O Brasil tem se especializado em criar muitos como João.
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