quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A HISTÓRIA DE JOÃO E FABIO


WROBLESKI, J.V.

            João e Fabio nasceram no mesmo dia. A mãe de João foi atendida em um hospital público, ficou no corredor em uma cadeira, até poucos momentos antes do parto, quando finalmente foi levada para uma cama, pois o hospital sempre está lotado e tem dificuldades em disponibilizar leitos para toda a população.
            A mãe de Fabio foi atendida em um hospital particular, no qual seu marido trabalha como médico e é sócio. Teve um leito a sua disposição, desde o momento que sentiu os primeiros indícios de que era chegada a hora do nascimento do bebê.
            A mãe de João não foi tratada com muita atenção, pois a equipe médica é muito menor do que a demanda do hospital, fazendo com que tenham que atender várias pessoas ao mesmo tempo.
            Já a mãe de Fabio, foi tratada do melhor modo possível, pois apesar de a equipe não ser tão grande, dedicaram vários profissionais ao atendimento da esposa de um dos donos do hospital.
            Após o parto, a mãe de João ficou um tempo com seu bebê, durante a licença maternidade, mas logo teve que voltar para seu trabalho como funcionaria doméstica e precisou deixar o filho ainda bebê em um CEMEI, pois não contava com ninguém em sua família que pudesse cuidar do filho enquanto trabalhava. Ficar sem trabalhar seria inviável, ainda mais, tendo agora mais uma boca para alimentar, fraudas para comprar e todos os gastos comuns de um bebê.
            Precisavam da renda dela e do marido para sobreviver, pois somente com os novecentos e poucos reais do salário dela como doméstica e os mil e quinhentos reais do marido trabalhando como pedreiro, conseguem pagar os quinhentos reais de mercado, cento e cinquenta reais de luz, mais os cem reais de água e esgoto, roupas, que raramente compram, somente quando precisam, pois não podem se dar ao luxo de desperdiçar, as prestações dos moveis da casa para o recebimento do bebê, como berço, um carrinho de nenê, simples, mas ainda assim com um custo e por fim pagam oitocentos reais da parcela da casa própria que financiaram, para não ficarem desperdiçando dinheiro em aluguel, por fim acabam gastando por volta de mil e seiscentos reais por mês, sobrando menos de setecentos, que os pais de João guardam na poupança, pensando em ter um recurso caso tenham algum imprevisto, ou talvez mais tarde conseguirem negociar algum desconto quitando a casa antes do tempo.
            Já a mãe de Fabio trabalhou por algum tempo, mas ao engravida, decidiram que se dedicaria apenas a cuidar do filho, afinal com os ganhos de aproximadamente trinta mil reais por mês, do pai de Fabio, eles conseguem tranquilamente pagar todos os gastos, inclusive os novos referentes ao bebê.
            João e Fabio começaram a estudar na escola regular, João foi para uma escola pública, tinha trinta e cinco colegas de sala, a professora raramente conseguia explicar de maneira individualizada o conteúdo, mesmo João indo pedir a ela se poderia explicar melhor, ela o ignorava, algumas vezes afirmando que ele era “burro demais para entender”.
            Fabio foi para uma escola particular, tinha quinze colegas de sala e duas professoras, enquanto uma explicava o conteúdo para todos os alunos, outra ia de carteira em carteira esclarecendo as duvidas individuais.
            Aos doze anos a mãe de João foi chamada na escola, por causa das baixas notas do filho. A professora disse que se ele tirasse mais uma nota baixa em matemática seria reprovado de ano, pela segunda vez, já que ele havia reprovado a quinta série por não ir bem na mesma matéria, apesar de ter notas razoáveis em outras, e até mesmo um destaque nas notas da matéria de história. Mas o fato de ir mal em matemática, fez com que ele precisasse refazer toda a quinta série e agora aconteceria o mesmo na sexta série. A mãe de João ficou revoltada, pois o filho só tinha que estudar, ela se matava de trabalhar o dia todo para poder sustentá-lo, o pai a mesma coisa e ele nem para estudar prestava! Quando chegaram em casa, a mãe de João no auge de sua revolta, bateu no filho por várias vezes.
            A mãe de Fabio foi chamada na escola porque boa parte das notas de Fabio estavam baixas, a professora explicou para a mãe, que apesar de Fabio ir muito bem em artes e biologia, ele estava com notas muito baixas nas outras matérias. Ao chegarem em casa, a mãe de Fabio relatou a seu pai o que tinha ouvido na escola, ambos decidiram que a partir da outra semana, Fabio teria aulas particulares, para melhorar nas matérias que estava com notas baixas.
            João realizou uma prova de matemática, a matéria que precisava de nota, ao receber a avaliação corrigida, descobriu que sua nota era quatro pontos de dez, o que faria ele reprovar novamente de ano, mas João deu uma olhada na prova de um colega que se exibia pelo fato de ter tirado nove na prova e viu que o colega tinha respostas iguais a dele na maioria dos problemas apresentados na avaliação. Confuso se seria a forma de ele resolver que estaria errada, já que o resultado final era o mesmo, ele resolveu questionar sua professora a respeito, a resposta que ouviu da professora, foi que: “só um preto burro para querer me ensinar a fazer o meu trabalho.” Se revoltou com a afirmação, pois a essa altura da vida, já tinha sofrido vários episódios de racismo, que lhe davam plena consciência da agressão da professora. Sua resposta foi um murro no rosto dela, o resultado disso, foi à expulsão de João da escola. E uma notificação do conselho tutelar a seus pais. Novamente João é agredido pela mãe, mas ele não sente ódio da mãe, apenas fica confuso, como pode ele que foi agredido primeiro, ser punido por se defender, enquanto a professora racista, continuava em pleno exercício do seu preconceito na escola.
            Fabio após o acompanhamento com um professor particular, teve uma melhora nas notas, nada de grande destaque, mas o suficiente para ser aprovado de um ano para outro.
            João agora está pela rua, sem fazer nada além de jogar bola o dia todo, pois após ser expulso da escola, se recusou a ir para outra, seu pai depois de alguns meses, preocupado com as companhias que o filho estava andando, convenceu o mestre de obras a permitir que ele levasse o filho para o trabalho como seu ajudante. O mestre de obras de inicio ficou resistente, pela idade do menino, com medo de ser penalizado judicialmente, mas diante da angustia do pai com a possibilidade de o filho se envolver com o tráfico de drogas local, acabou aceitando, desde que se a fiscalização aparecesse, o pai de João dissesse que só o levou para o trabalho aquele dia, porque não tinha com quem deixar o menino.
            Fabio segue em seus estudos, agora já está terminando o primeiro grau, indo para o segundo e já começa a ser questionado por sua mãe e seu pai, a respeito do que ira fazer depois de terminar a escola.
            João já está com dezoito anos, trabalhando com o pai. O mestre de obras o sob de cargo, apesar de muito jovem, João é muito dedicado, que: “trabalha sem fazer corpo mole”, segundo o mestre de obras, ele acaba se tornando pedreiro ainda aos dezoito anos. Uma honra para seu pai, que tem orgulho em contar para todos os colegas, que ele próprio precisou trabalhar por mais de dez anos, como servente, antes de se tornar oficialmente pedreiro, enquanto seu filho, depois de cinco anos de trabalho, já ocupava o mesmo cargo que ele. Com a promoção, João, agora com um salário um pouco melhor, planeja voltar aos estudos e quem sabe até fazer uma faculdade, por que não? Talvez engenharia civil, já que parece levar jeito para a coisa.
            Enquanto isso, Fabio está no primeiro ano da faculdade de medicina, até preferia artes cênicas, mas sua mãe e seu pai lhe convenceram que era melhor estudar algo mais concreto, alguma profissão mais respeitada. Se fosse medicina, já teria emprego garantido, afinal, seu pai era sócio em um hospital, para conseguir uma vaga para o filho, seria muito fácil.
            João após cinco anos consegue concluir os estudos, em um sistema supletivo, muito contente, compartilha com a família sua vontade de fazer uma faculdade, seu pai e sua mãe, dizem que não tem sentido, que ele já está muito bem empregado, que deveria se dedicar ao trabalho ao invés de ficar procurando sarna para se coçar. Mesmo não tendo o apoio familiar, João não desiste de continuar estudando, pois no supletivo conheceu uma professora que o incentivou muito a nunca desistir de seus sonhos.
            Fabio já conclui sua formação na escola de medicina, e está em sua residência, planejando qual será sua especialização, após se formar clinico geral.
            João confere todos os cursos de engenharia civil próximos de sua cidade, teria que viajar, mas apertando um pouco seus gastos, até conseguiria pagar a van e ainda ajudar financeiramente em casa. Porém, todos os cursos de engenharia eram integrais, sendo que desse modo, João não teria como trabalhar. Desistiu dessa opção, mas não de estudar, então lembrou, que antes de ser expulso da escola, ele sempre teve boas notas na matéria de história, tentou o vestibular para esse curso, que afinal tem em sua cidade mesmo, e ainda é à noite, que lhe possibilita continuar no mesmo trabalho que está.
            Fabio agora formado médico, já iniciou sua especialização em pediatria, apesar do pai incentiva-lo a ir para a área cirúrgica que seria mais respeitado, dessa vez Fabio faz sua própria escolha, pois com sua paixão por artes cênicas, cativava facilmente as crianças. Quando as atendia, sempre ia vestido com alguma fantasia ou com nariz de palhaço, fazendo brincadeiras, era um dos poucos médicos que conseguia fazer procedimentos invasivos, sem que as crianças chorassem.
            João está em seu curso de história, estudando a escravidão, ele se revolta com o que seus antepassados foram submetidos. Ele e colegas da faculdade organizam um movimento de protesto contra o racismo e outros tipos de preconceitos. Nesse protesto João é preso pela policia acusado de vandalismo, mesmo que não tenha quebrado nenhum bem público ou privado, tudo que fez, foi informar a um policial que estava em seu direito constitucional de se manifestar contra um crime social. João não permanece preso, mas é fichado e vai ter que se apresentar perante um juiz para saber o que será feito do seu caso.
            Enquanto isso, Fabio já está concluindo sua especialização, e negociando com seu pai a entrada dele no hospital.
            João se apresenta ao juiz, que de algum modo fica sabendo que ele já teria agredido uma professora na adolescência, ao ter João em sua frente o juiz afirma: “Esse tipo de gente, só dá nisso, não sei porque se reproduzem como praga no mundo!” João não vai preso, mas é sentenciado a varias horas de serviço comunitário. Para não perder o curso da faculdade, João acaba precisando trabalhar meio período na obra, para poder na outra metade pagar as horas, já que seus sábados e domingos, ele precisava para fazer os imensos trabalhos dados pelos professores da faculdade.
            Fabio já assume uma vaga no hospital que seu pai trabalha e é sócio, não teve dificuldade alguma e atende na ala pediátrica do hospital. É tido por todos como um dos melhores médicos do hospital, as crianças são apaixonadas por ele. Todos o chamam de doutor sorriso, pois dizem ser impossível manter expressão séria em sua presença, mesmo uma das enfermeiras mais antigas do hospital, muito famosa por sua antipatia, sempre sorria quando ia falar com ele.
            O mestre de obras para o qual João trabalha, começa a passar por uma queda no número de construções, e não sendo possível manter todos os funcionários, muitos são demitidos, João é um deles, afinal, além de estar trabalhando somente meio período, ainda tinha tido problemas com a lei, o que não é muito bom para nenhum patrão. Apesar de a contrariedade dos pais, que afirmavam que a faculdade só tinha trazido dores de cabeça para a família, João consegue convencer os pais a ajudarem ele a se manter até o final do curso, que no meio de tantas conturbações, se estendia por um ano a mais do que o esperado, por causa das dependências.
            Fabio está com um salário bem generoso, e conhece uma moça, jovem médica do mesmo hospital, depois de alguns meses de namoro a pede em casamento, vão morar juntos em uma casa grande e luxuosa, parte bancada como presente de casamento dado pelo seu pai.
            A essa altura, João com grande dificuldade termina sua graduação em história, começa a fazer concursos públicos tentando uma vaga como professor, mas mesmo com muitas tentativas, não consegue passar em nenhum. João tem estado bastante irritado e triste, pois com quase trinta anos, ainda vive com os pais e não consegue um emprego, mesmo com uma graduação. Sua alternativa para tentar ajudar em casa e não ser um peso morto para os pais, é conseguir algumas aulas particulares, mas de maneira geral tem que se submeter a valores quase de esmola, e mesmo assim, quando se apresenta na casa do aluno, é muito comum que os pais deem alguma desculpa para dispensa-lo de imediato, ou logo após as primeiras aulas. João sabe que não diz respeito a sua competência como professor, mas sim, a sua cor de pele.
            Fabio já conseguiu reunir um bom dinheiro com seu trabalho, ainda mais com sua esposa trabalhando com ele e também ganhando um valor razoável, ele então aproveita uma oportunidade para comprar a parte da sociedade de outro sócio de seu pai, tornando assim a família dona de mais de sessenta por cento do hospital.
            João está cada vez mais angustiado, agora desistiu de procurar emprego em sua área de formação, está à procura de qualquer coisa que lhe de sustento financeiro, mas em empregos mais básicos, não o aceitam quando descobrem que ele é graduado. As empresas sabem que pessoas com graduação tendem a conhecer melhor seus direitos e não se permitem ser escravizadas tão facilmente, por isso tendem a evitar contratá-las.
            A essa altura, o pai de Fabio já está em uma idade avançada, e decide passar para o filho o domínio sobre toda a parcela do hospital que está na família, logo Fabio consegue condição financeira para comprar outra boa parte do hospital e sua esposa compra uma pequena parte que ainda estava sob domínio de outro sócio, tornando assim o hospital de total propriedade de sua família. O lucro mensal da família gira em torno dos duzentos mil reais por mês.
            João se queixa para um amigo de infância sobre sua condição desprivilegiada, o amigo fala para ele que tem um negócio muito lucrativo que precisa de um sócio. João afirma que não tem a menor condição financeira de investir em nada, o amigo afirma que o investimento, será meramente de mão de obra, não precisando nenhum dinheiro e que o retorno era de aproximadamente cem mil reais só para ele. João, homem já estudado e experiente o suficiente para saber que nada é tão bom para ser verdade, pergunta qual é a mutreta, o amigo explica que farão um grande empréstimo no banco, de mais ou menos um milhão e meio, mas ainda precisavam de mão de obra. João rapidamente entende que se tratava de um roubo, e responde que não foi educado para isso, que seria uma imensa decepção para seus pais. O amigo afirma que ele não tem motivo para se preocupar, seria como roubar doce do mercadinho local, não seria um assalto, não usariam armas, nem mesmo teria gente no banco quando entrassem, seria apenas um roubo, fariam um túnel até o cofre e depois retirariam os pacotes de dinheiro. Ele afirma que a experiência de João com a construção civil, seria bem vinda na construção do túnel, João se recusa e vai para casa. Depois de mais um mês procurando trabalho sem encontrar, ele reencontra o amigo, que informa que o plano ainda está em pé, que já providenciaram todo o equipamento, inclusive começariam a escavar o túnel naquela semana mesmo, disse para João, que ainda tem uma vaga na equipe. João olha para o nada, com um olhar morto, e pergunta: “Quando começamos?”
            Fabio junta dinheiro o suficiente para abrir mais uma clínica em uma cidade vizinha, desse modo, aumentando a renda familiar em mais de trinta por cento.
            Depois de um mês de trabalho, João e a equipe de ladrões, conseguem retirar como o prometido, um milhão e meio do banco, mas diferente do que o amigo prometeu, cada um deles fica apenas com oitenta mil, e não com os cem mil prometidos, mas ainda assim, João está muito contente, pois sabe que trabalhando de pedreiro, levaria cinco anos para ganhar esse valor, que consegui em um mês de trabalho. Ele usa parte do dinheiro para construir uma nova casa para seus pais, já que a que eles moram estava deteriorada pelo passar dos anos, João imaginou que comprar os materiais e pagar para construírem uma nova casa no mesmo terreno, chamaria menos a atenção, do que a compra de um imóvel novo. Mas o que João não contava, era com o fato de que a “lei” sempre tem uma dedicação toda especial quando se trata de um banco que foi roubado, afinal eles não assassinaram um negro em uma favela, se fosse esse o caso, nada aconteceria, talvez nem mesmo seria investigado. Mas um roubo a banco, roubar de quem tem dinheiro... isso é imperdoável. Quem de fato organizou o roubo, foi astuto e experiente o suficiente para não deixar vestígios, jogando assim a atenção, em cima da mão de obra, de quem fez a parte mais bruta do roubo, pois os que planejaram, nunca seriam descobertos, já João, depois de seis meses do roubo, foi preso. Depois de muito tempo, foi a julgamento, no qual foi constatado que ele já tivera problemas com a lei, desde a adolescência, o que não dificultou muito sua condenação, afinal, um negro com fixa criminal, o juiz não precisou nem mesmo pensar duas vezes. João foi para um presídio, naquela mesma noite um colega presidiário tentou violar seu corpo, ele reagiu e foi espancado até a morte.
            Fabio hoje é dono de uma rede de hospitais, que conta com um hospital de porte médio, um de pequeno porte e mais três clínicas de médio porte em cidades diferentes, seu lucro mensal limpo, passa de um milhão e meio.
            SEGUNDO O SISTEMA CAPITALISTA, FABIO E JOÃO TIVERAM AS MESMAS OPORTUNIDADES DE VIDA, FABIO HOJE É UM HOMEM RICO E BEM SUCEDIDO, PORQUE SE DEDICOU E SE ESFORÇOU MUITO PARA CHEGAR A ONDE ESTÁ, ENQUANTO JOÃO MORREU NO PRESIDIO, PORQUE ERA SÓ MAIS UM BANDIDO VAGABUNDO, QUE NÃO QUERIA TRABALHAR.

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