terça-feira, 16 de outubro de 2018

NOTÍCIAS DIFÍCEIS


     As pessoas se enganam pensando que um psicólogo, psicanalista ou terapeuta psíquico em geral, consegue dar uma notícia difícil, como de um adoecimento ou morte, de maneira que não faça a pessoa sofrer. Pensar isso é uma tolice, se uma pessoa ama alguém, ou tem um forte vinculo com essa pessoa, não existe uma forma de dar uma noticia de morte ou doença grave, sem gerar nenhum sofrimento ao sujeito. A capacidade de um psicólogo em dar essa noticia, ou preparar alguém para dar esta, está mais na reação e compreensão do próprio psicólogo, do que nas palavras utilizadas, não existem palavras que isentem alguém da dor de perder um familiar, ou saber que a própria vida tem uma data marcada para terminar, mas existem sim palavras capazes de agravar isso, a tarefa do terapeuta, é não utilizar essas palavras e ensinar a quem tem a função de dar tais noticias que também não utilize tais palavras.
      O erro começa em você pensar que pode dar uma noticia difícil sem que o sujeito sofra, pois esse pressuposto já demonstra que você está desconsiderando o direito dele de sofrer e o sentido e função de seu sofrimento. Para humanos em geral, é tão difícil dar noticias de morte, ou de doença grave, porque nos deparamos com nossos próprios medos desses assuntos. Esse é o primeiro passo a ser superado, se esforçar para anular a nossa própria dor, a ponto de ser capaz de auxiliar o outro com a dor dele. Outro grave erro que cometemos, é partir do pressuposto da dor e não aceitar nenhuma reação diferente dela. Quando damos a noticia de que alguém morreu para outra pessoa, nossa construção social nos leva a acreditar que essa pessoa vai sofrer. Ainda mais se era um parente ou alguém próximo, e muitas vezes nos é inconcebível pensar em uma possibilidade de reação diferente, quando estamos tomando nossa própria história de vida, para determinar a reação dessa pessoa. Por exemplo, uma filha pode se alegrar muito com a morte de seu pai, ou ficar aliviada, comemorar por sinal e não cabe a nós julgar o porque ela está feliz do pai ter morrido, muito menos nos cabe afirmar que isso é errado ou ruim, porque o mesmo imbecil que afirma que ela não deveria se alegrar com a morte do pai, é o mesmo imbecil que irá lhe dar total apoio, assim que descobrir que o pai a espancou e estuprou por anos a fio, sem que ela pudesse reagir ou fugir. Nós não temos condição nem direito algum de julgar os sentimentos alheios.
      Mas porque psicólogos são considerados mais habilitados a dar essas noticias então? Justamente por ter a compreensão explicada no parágrafo anterior. Por o psicólogo saber, ou ao menos espera-se que saiba, quando é um bom profissional, por ele saber que seus sentimentos não são os mesmos do outro, e que diante desse, só os sentimentos do outro importam e tem valor, não cabendo a ele manifestar nenhum julgamento, ele tem condições de dar uma noticia que pode ser dolorosa, mas sabendo que ela também pode não ser. E desse modo respeitar a reação do sujeito, entendendo que se ele chora ou ri com a noticia que trago, é uma reação que essa pessoa tem a situação e é dela, não nem certa nem errada, é apenas dela. Isso possibilita um respeito aos sentimentos do outro, sejam eles, quais forem.
    Claro que existem palavras mais assertivas que podem ser utilizadas, mas a compreensão do exposto aqui anteriormente, é muito mais importante de com que palavras alguém irá dar uma noticia. Compreender que se noticia for dolorosa para a pessoa, ela vai sofrer indiferente como eu de essa noticia e que se ela não sofrer, ela tem o direito inclusive de estar alegre com uma noticia que para mim seria triste, esse passo é mais valioso que a escolha de palavras. Porém, existem palavras capazes de jogar sal em uma ferida aberta, evita-las é um bom começo na direção de um acerto.
    Qualquer manifestação do EU da pessoa que trás a noticia, é sempre ruim, pois a noticia não está sendo recebida por você, então fazer afirmação de eu estou sofrendo tanto quanto você, ou eu faria tal coisa, ou eu passei por isso, toda manifestação do EU é errônea, pois cada sujeito é único, não interessa o que você pensa e faria, porque a pessoa irá pensar e fazer por ela própria. Os sentimentos são dela e não seus, e será impossível para você saber como ela se sente, porque você não é ela.
      Frases clichês são outra coisa a se evitar manifestar, do tipo, ao noticiar a morte de alguém, afirmar: “Ah, ele foi para um lugar melhor!” — “Por que você não vai junto com ele, para esse lugar melhor então?”. Você não sabe se a pessoa acredita em qualquer tipo de vida após a morte, ou se ela segue qualquer religião, quem é você para dizer que uma pessoa que morreu, foi para um lugar melhor, se nem mesmo sabemos para onde nós vamos após morrermos? Se é que vamos para algum lugar. Partir de crenças minhas para falar da vida do outro, é sempre um grave erro.
      Qualquer outra frase pronta será ruim: “Vai passar”, “Nem foi tudo isso”, “não fique assim”... Você não sabe se vai passar, tem pessoas que recebem a noticia de uma doença grave e cometem suicídio, para ela passou, mas eu imagino que não era isso que você pensava quando afirmou que iria passar. Não de ao outro, certezas que você mesmo não tem.
      A escolha excessiva de palavras pode trabalhar mais contra do que a favor de uma noticia difícil, pois o sujeito ficará cada vez mais irritado e produzindo mais fantasias a respeito e nossas fantasias podem ser muito mais danosas, do que a realidade. Sempre que uma noticia tem que ser dada, é importante que ela seja sucinta e compreensível, após dar a noticia, de acordo com o que a pessoa manifesta como interesse saber, você vai esmiuçando, mas não por pressuposto do que você acha importante ela saber e sim de acordo com o que ela demonstra estar interessada.
    As pessoas tem o péssimo hábito de querer falar, quando deveriam apenas ouvir, não tente dizer a respeito da pessoa, do que é melhor para ela, ou do que ela deve ou não fazer, pois você não sabe essas informações. Apenas ouça o que ela sente, deixe-a falar o que pretende fazer ou pensa, se é que ela tem interesse em falar para você, pois pode ser que ela só queira ficar em silencio, talvez ela nem queira a sua companhia, talvez só queira ficar sozinha.
    Notícias difíceis, sempre serão difíceis, muitas vezes mais difíceis para quem noticia, do que para quem recebe. E não temos como torna-las fáceis, temos como não torná-las ainda piores.

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