sábado, 7 de julho de 2018

PSICANÁLISE SILVESTRE (1910)


FREUD, Sigmund. Psicanálise Silvestre. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago. 1987.

         Freud nos alerta para os riscos de uma interpretação apressada e desentendida da teoria psicanalítica. Ao receber uma paciente com queixa de quadros de ansiedade, ela relata que o médico visitado antes, atribuiu sua doença a falta de atividade sexual, pois havia se separado do marido, sendo que deveria buscar Freud, para que confirma-se esse diagnóstico, já que seria ele a fazer essa nova descoberta.
        A paciente estava convencida de não poder se curar, pois suas alternativas segundo o médico anterior, seriam voltar ao ex marido, buscar um amante ou masturbar-se, sendo para ela todas as práticas citadas inadmissíveis, estava convencida de que não teria cura.
       Freud chama a atenção para o fato de que pacientes, quando descontentes com o diagnóstico ou atendimento de um médico, podem exagerar, ou distorcer o que de fato foi dito, por tanto não podemos condenar apressadamente esse profissional mencionado, pois desconhecemos o que de fato ele disse e o que faz parte da interpretação da paciente. Mas para discutir o tema, tomemos por verdadeiro o que a paciente afirma e consideremos que o médico teria lhe dito exatamente dessa forma.
    A primeira questão que nos fica evidente é o completo desentendimento do que é sexualidade para a psicanálise. É verdade que o ato sexual faz parte da sexualidade e que alguns dos casos psicanalíticos têm uma ligação com atos sexuais, mas se resumiria a isso a teoria? Para a psicanálise, a sexualidade se estende muito além dos limites do ato sexual, se entende por sexualidade toda a busca de prazer e evitabilidade de desprazer. Nesse sentido, o ato de se alimentar obtendo prazer de um saboroso prato, envolve a sexualidade, através da obtenção de prazer pelo nosso órgão de prazer mais primitivo, a boca. Sendo assim, o primeiro grave erro cometido por esse médico, seria falar sobre uma teoria da qual certamente em nada se apropriou, nada estudou, por isso considerou como sexualidade apenas o coito e seus análogos, como a masturbação.
        Outro erro cometido por esse médico, além da falta de tato ao discutir sexualidade com sua paciente, foi acreditar que ela seria ignorante o suficiente para não saber que poderia ter um amante, ou masturbar-se, seria ele tolo o suficiente para acreditar que se o problema dela era a falta de sexo, uma mulher adulta de seus quarenta anos, não saberia como buscar um parceiro ou como masturbar-se? Ou ainda, ele acreditou que ela precisava da autorização médica para isso?
     O médico também ignorou por completo o fato de que a paciente relata já vir sofrendo de ansiedade antes, tendo a separação apenas intensificado o quadro.
     Por tanto se pretende-se falar em nome da psicanálise, ou utilizar dessa para um diagnóstico: “Não é bastante, pois, para um médico saber alguns dos achados da psicanálise; êle deve também estar familiarizado com a técnica se êle deseja que seu procedimento profissional se oriente por um ponto de vista psicanalítico.” (p. 212)
   Freud afirma que em geral esse tipo de interpretação e intervenção silvestre, tende mais a gerar prejuízos ao nome da psicanálise, do que ao paciente em si, pois estando de tal modo errado o suposto psicanalista, suas interpretações não farão sentido para o paciente, desse modo não o moverão em nenhum sentido, mas a teoria que já sofre preconceitos acaba ainda mais afetada.


SOBRE O MECANISMO PSÍQUICO DOS FENÔMENOS HISTÉRICOS: UMA CONFERÊNCIA (1893)


FREUD, Sigmund. Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: Uma Conferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago. 1987.

        Charcot estuda o que os franceses chamam de “neurose maior” equivalente à histeria na obra Freudiana. Através de Charcot foi possível compreender melhor a histeria traumática, quando um paciente sofre um trauma psíquico ligado a uma parte de seu corpo. Freud utiliza o exemplo de um trabalhador que sofre um acidente, no qual uma madeira cai em seu ombro, ele vai para a casa sem nada grave, apenas com uma pequena contusão, após um período que Freud denomina encubação, esse trabalhador acorda com seu braço paralisado, sem saber o porquê, possivelmente, sem nem mesmo se recordar do acidente ocorrido, aqui se estabelece uma histeria traumática.
      Freud nos chama a atenção, para uma outra categoria de histeria, a que ele e Breuer estudam a partir do caso Anna O e dos casos atendidos por Freud como Emmy Von N, essa categoria Freud classifica como histeria comum, ou não traumática, se referindo ao fato de nesses casos, não existir um evento físico causador do sintoma. No caso do trabalhador citado por Freud, temos um trauma físico, o impacto da madeira, no caso de Anna O e Emmy Von N, não existe esse acontecimento físico, hoje entendemos como trauma psíquico, mas Freud se refere a algo diretamente ligado ao corpo.
       Freud toma, por exemplo, situações de transtornos alimentares, citando uma paciente que vivenciou situações de grande afeto nos momentos de alimentação, como ser obrigada a sentar-se a mesa com pessoas que a desagradavam muito, assim como vivenciar cenas asquerosas durante a alimentação, ou ser obrigada a comer algo que desagradava de maneira significativa seu paladar, e posteriormente, sente grande enjoo antes da alimentação, chegando a vomitar. Ele também faz uma referência à anorexia, considerando que essa recusa em se alimentar, pode em muitos dos casos, vir igualmente de situações vivenciadas durante a alimentação.
         Freud faz uma referência ao fato de um trauma dificilmente se referir apenas aquela situação vivenciada, mas na maioria das vezes, ter uma ligação com cenas anteriores mais primitivas. Ou seja, uma situação em si, não é traumática, mas quando essa situação se liga a anteriores vivenciadas, forma-se o trauma, nesse caso, trauma psíquico, não físico.
      Por exemplo, uma pessoa que tem seu carro fechado no trânsito, porém sem nenhum tipo de sequela ou consequência física, ainda assim, desenvolve uma paralisia de algum membro, possivelmente o quase acidente de carro, em si, não foi o ponto inicial, mas apenas o desencadeador, o trauma já vinha se formando através de um evento no qual um parente próximo cometeu suicídio utilizando o carro, por exemplo, ou um acidente automobilístico sofrido pela mãe durante a gravidez. Uma ligação mais primitiva, com eventos de grande carga afetiva.
         Freud também nos faz referência ao fato de os sintomas serem desencadeados por situações nas quais a pessoa não expressou uma carga afetiva de desprezo, repulsa ou nojo. Tomando por base o caso Anna O, a paciente desenvolveu um transtorno alimentar relacionado à ingestão de água, após ver um cão bebendo água de seu copo. Naquele momento, ela não conseguiu verbalizar a repulsa sentida, e esse afeto não manifestado, se transforma no sintoma de ser incapaz de beber água.
         Temos que considerar, que quando Freud estuda a histeria, está imerso em uma cultura de grande repressão, sexual e moral, apesar de em uma de suas obrar afirmar que para algumas cidades, Viena era considerada liberal demais, o que me assombra. Mas tomando por base essa repressão da época, principalmente uma repressão sobre as mulheres, de como: deveriam se portar, da imoralidade de uma mulher ter desejos sexuais, ou fantasias eróticas, diante dessa imensa repressão, temos sintomas tão gritantes quanto a repressão se demonstrava. Nos dias atuais, não temos uma repressão tão intensa, ainda existe sim, mas com menos força, o que faz com que atualmente, os sintomas da histeria também sejam mais brandos, ainda encontramos casos clássicos de paralisias, mas de maneira geral, temos muito mais, doenças autoimunes, casos de transtornos alimentares, ou doenças relacionadas ao estômago, enxaquecas sem casas neurológicas, desmaios em situações de estresse, formas diferentes de se relacionar com o corpo, que em suma, não se distanciam tanto da histeria clássica. A repressão, já não se faz mais tão evidente, mas a cobrança social a substitui com eficiência, não se da tanta ênfase ao que não se pode fazer, mas continua-se cobrando o que devemos ser.