FREUD, Sigmund.
Psicanálise Silvestre. In: Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
Imago. 1987.
Freud nos
alerta para os riscos de uma interpretação apressada e desentendida da teoria psicanalítica.
Ao receber uma paciente com queixa de quadros de ansiedade, ela relata que o médico
visitado antes, atribuiu sua doença a falta de atividade sexual, pois havia se
separado do marido, sendo que deveria buscar Freud, para que confirma-se esse
diagnóstico, já que seria ele a fazer essa nova descoberta.
A paciente
estava convencida de não poder se curar, pois suas alternativas segundo o
médico anterior, seriam voltar ao ex marido, buscar um amante ou masturbar-se,
sendo para ela todas as práticas citadas inadmissíveis, estava convencida de
que não teria cura.
Freud chama
a atenção para o fato de que pacientes, quando descontentes com o diagnóstico
ou atendimento de um médico, podem exagerar, ou distorcer o que de fato foi
dito, por tanto não podemos condenar apressadamente esse profissional
mencionado, pois desconhecemos o que de fato ele disse e o que faz parte da
interpretação da paciente. Mas para discutir o tema, tomemos por verdadeiro o
que a paciente afirma e consideremos que o médico teria lhe dito exatamente
dessa forma.
A primeira
questão que nos fica evidente é o completo desentendimento do que é sexualidade
para a psicanálise. É verdade que o ato sexual faz parte da sexualidade e que alguns
dos casos psicanalíticos têm uma ligação com atos sexuais, mas se resumiria a
isso a teoria? Para a psicanálise, a sexualidade se estende muito além dos
limites do ato sexual, se entende por sexualidade toda a busca de prazer e
evitabilidade de desprazer. Nesse sentido, o ato de se alimentar obtendo prazer
de um saboroso prato, envolve a sexualidade, através da obtenção de prazer pelo
nosso órgão de prazer mais primitivo, a boca. Sendo assim, o primeiro grave
erro cometido por esse médico, seria falar sobre uma teoria da qual certamente
em nada se apropriou, nada estudou, por isso considerou como sexualidade apenas
o coito e seus análogos, como a masturbação.
Outro erro
cometido por esse médico, além da falta de tato ao discutir sexualidade com sua
paciente, foi acreditar que ela seria ignorante o suficiente para não saber que
poderia ter um amante, ou masturbar-se, seria ele tolo o suficiente para
acreditar que se o problema dela era a falta de sexo, uma mulher adulta de seus
quarenta anos, não saberia como buscar um parceiro ou como masturbar-se? Ou ainda,
ele acreditou que ela precisava da autorização médica para isso?
O médico
também ignorou por completo o fato de que a paciente relata já vir sofrendo de
ansiedade antes, tendo a separação apenas intensificado o quadro.
Por tanto
se pretende-se falar em nome da psicanálise, ou utilizar dessa para um
diagnóstico: “Não é bastante, pois, para um médico saber alguns dos achados da
psicanálise; êle deve também estar familiarizado com a técnica se êle deseja
que seu procedimento profissional se oriente por um ponto de vista
psicanalítico.” (p. 212)
Freud
afirma que em geral esse tipo de interpretação e intervenção silvestre, tende
mais a gerar prejuízos ao nome da psicanálise, do que ao paciente em si, pois
estando de tal modo errado o suposto psicanalista, suas interpretações não farão
sentido para o paciente, desse modo não o moverão em nenhum sentido, mas a
teoria que já sofre preconceitos acaba ainda mais afetada.